domingo, 21 de março de 2010

Vingança

Permaneceu por indeterminado tempo insólito à porta, ponderando numa cadência pontual acerca dos beijos que o conquistaram, mas também o apunhalaram. Os mesmos. Entre o paraíso e o inferno, a terra.
Após romper com as indagações que lhe comportavam, atravessou com poucas de suas coisas o vácuo que cabia entre a porta de seu apartamento e o porteiro eletrônico do prédio e saiu andando como se soubesse aonde ia. Dividia o lugar com sua mulher há anos. Ela pagava a maior parte das contas, passando muito de seu tempo fora e fazendo agora se sabe o que.
Seu amargor começou a se tornar insuportável. Ele, que aprendera a não levantar expectativas sobre nada, se via decepcionado por ter criado tantos planos que agora padeciam medíocres, patéticos, antiquados aos pés de um mundo frio, seco e desumano, a cada vez mais individualista. Se sentiu fraco como os seus planos e seguiu caminho até uma loja de armas no Centro. Queria vingança. Precisava acabar com aquilo de vez.
Lá chegando, deu uma boa analisada no local e pediu ao dono que buscasse a faca mais afiada do lugar. A indignação já lhe transbordava olhos e pele. Mal podia esperar para acertar com seu grande rival o que o mesmo lhe havia causado. As demais pessoas na loja o olhavam com estranheza, uma senhora comprando um canivete suíço e um homem mostrando ao filho pistolas de ar razoavelmente potentes logo desabitaram do recinto. Sua figura trêmula de desespero destacava-se facilmente e, mesmo assim, o comerciante não hesitou em colocar nas mãos do homem o material cortante, detalhando imediatamente suas principais qualidades e a sofisticação de suas curvas.
Ao segurar a faca, o traído não conteve a imediata necessidade. Testou o produto partindo com o objeto agudo, cortante, visceral, atravessou sua própria carne e coração em precisão cirúrgica e poucos segundos. Sentiu enfim a vingança. Saboreou com gosto o prato frio enfiado garganta abaixo em plena Av. Rio Branco e por fim caiu satisfeito, molhado de suor e de sangue. Conseguira finalmente desvencilhar-se de seu pior inimigo, o portador de suas alegrias, angústias e sentimentos afins. Não poderia perdoar o que fizera a si mesmo, se colocando aos pés de tal senhora sem escrúpulos, puta.
O golpe desferido pelo mesmo personagem rendeu capa e matéria nos principais jornais. Ele não quis terra. E o que é que um coração não pode conquistar?

Matheus Marins Alvares