quarta-feira, 28 de maio de 2014

Mistério das Flores - por Fernanda Moraes



















Ela pescava flores
delas tbm era feita
Eu olhava-a do alto da minha nuvem
que passeava no horizonte

quando desci pra tocá-la já não havia
mais o Rio de flores
havia cores estampadas
no que não via

Onde estaria?

Procuraria entre córregos, oceanos e mares
a espera que seu rio que estivesse desaguasse
em algum mar
Um rio não seca da noite pro dia

Eu cairia lá do alto e andaria no chão e
pelos ares só pra estar perto de vc dessa vez
mas vc não estava lah

Daria a eternidade se pudesse ter mais um dia
com vc, nele não deixaria sobrar um único 
suspiro que afagasse a sua volúpia


A eternidade por um dia valeria
a vida

Lembro de quando vc ficava sentada em seu barco
esperando flores no mar

Ainda passo por seu apartamento todo dia
mesmo sabendo que vc não mora mais lá

È um jeito estranho de dizer que tenho saudade
e de voltar no passado, enganando o presente
e dando uma banda no futuro

Nunca mais te vi e voltei pra minha nuvem
jamais descerei de novo
mas jamais me perdoaria
se tivesse ficado aqui
sem descer pra tentar
tocar seu céu

terça-feira, 27 de maio de 2014

ALHAMBRA - Jorge Luis Borges









Grata la voz del agua
a quien abrumaron negras arenas,
grato a la mano cóncava
el mármol circular de la columna,
gratos los finos laberintos del agua
entre los limoneros,
grata la música del zéjel,
grato el amor y grata la plegaria
dirigida a un Dios que está solo,
grato el jazmín.

Vano el alfanje
ante las largas lanzas de los muchos,
vano ser el mejor.
Grato sentir o presentir, rey doliente,
que tus dulzuras son adioses,
que te será negada la llave,
que la cruz del infiel borrará la luna,
que la tarde que miras es la última.

Granada, 1976.


A luminosidade de Granada percebida por meio de outros sentidos no poema escrito por Jorge Luis Borges quando, cego há já mais de 20 anos, volta a estar na cidade, desta vez com sua companheira Maria Kodama. Borges havia visitado Granada quando adolescente, com seus pais, havendo, como não é de se suspeitar, se apaixonado pelo lugar.
Conta Maria que "a impaciência com que Borges se preparava aquela manhã para a visita à Alhambra, antecipando-a das maravilhas das quais recordava bem e que ela ainda não havia visto, o deixava tão encantado por voltar e mostrá-las que até se esqueceu que estava cego."
Maria Kodama conta também do incômodo que ela sentiu ao cruzar uma das portas da Alhambra e ler uma placa de cerâmica com a escritura de versos de Francisco A. de Icaza:

"Dale limosna, mujer
Que no hay en la vida nada
como la pena de ser
ciego en Granada."

Borges, ao notar, a tranquilizou dizendo:
"Não se sinta mal. Você me apresentará a Alhambra com os olhos de outro Oriente." (fazendo alusão à descendência japonesa de Kodama).

O poema parece remeter ainda à última tarde do rei Boabdil na cidade de Granada, que, perdida, deve entregá-la aos reis cristianos.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Pata-Palo

Quando entrei no bar, a primeira coisa que me chamou a atenção foram aqueles olhos azuis enigmáticos. Desatento, tropecei nos meus próprios passos e dei de cara na primeira pilastra. Ninguém pareceu dar-se conta do meu dom para a autosabotagem, tão cheio que estava o lugar. Assim, perdi de vista os olhos azuis apenas os tendo fitado por tempo o suficiente para ficar envolto por seu mistério. Eram mais charmosos que belos, verdade. Talvez me reservassem algo, pensei. Mas o que não me reservaria nesse lugar tão novo? Embora houvesse algo mais ali, reconsiderei. Eu saberia reconhecer se voltasse alguma vez na vida a esbarrar com aqueles olhos. E apesar do sobressalto, deixei para revê-la ao acaso.
Fui pegar uma bebida enquanto o DJ do bar nos embalava em ritmos latinos desconcertantes. Sopro de metal, cerca de duzentas pessoas dentro do chocalho que era aquele bar. Todo mundo se sacudindo e as bebidas inacabáveis indo metade pro santo, metade pra dança, metade pro amigo, metade pro bêbado. O santo, de tanto brinde ficou ébrio, tirou o anjo da guarda para rodar e lascou-lhe um beijo no meio do teto do bar que agora era festa. Quando o som mudou para salsa e as pessoas não paravam  de se embolar é que descobrimos tratar-se de um terremoto o motivo de tanto rebuliço. Alcançar a porta era difícil e a saída disputada. Sem anjo da guarda nem nada, cada passo dependia de outros duzentos passos dispendiosos.
Quando o local foi por fim totalmente evacuado, algumas pessoas encontravam-se desacordadas e tentei ajudar, embora o meu estado de sobriedade aspirasse cuidados.
De olhos fechados, olhos de cães bêbados, não encontrei aquele olhar azul-enigma. Talvez os olhos estivessem desmaiados, pensei. E quando vi uma garota sendo levada por ambulância, cismei que poderia ser ela. Que poderia ser você.
- Eu sou o irmão mais velho dela, preciso ir junto!
Aguardei na sala de espera impacientemente até onde aguentei. Quando seus olhos se abriram, estavam fechados os meus. Apaguei na cadeira do ambulatório e você foi embora sem me avisar que tinha ficado bem.
Ingrata, pensei.
Mas você nem sabia.
Eu nem sabia se era você. Se era ela.
Consternado, fui procurar o endereço do meu hostel provisório, que me servia enquanto eu não conseguia moradia fixa na cidade.
O quarto, impessoal e impecavelmente limpo, serviu para tomar uma ducha. Quando eu ia saindo para um café na hora da siesta, notei que o dinheiro havia ficado na devastada roupa do dia anterior...
Imagine qual surpresa não foi a minha quando encontrei no bolso da esbórnia apenas uma nota remanescente.
Imagine o que não senti quando percebi que a nota era na verdade um pedaço de papel de receita médica escrito no idioma local com letra que não era de médico.
Eu precisava aprender espanhol.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Mujer que dice chau

Me llevo un paquete vacío y arrugado de cigarrillos Republicana y una revista vieja que dejaste aquí. Me llevo los dos boletos últimos del ferrocarril. Me llevo una servilleta de papel con una cara mía que habías dibujado, de mi boca sale un globito con palabras, palabras que dicen cosas cómicas. También llevo una hoja de acacia recogida de la calle, la otra noche, cuando caminábamos separados por la gente. Y otra hoja, petrificada, blanca, que tiene un agujerito como una ventana, y la ventana estaba velada por el agua y yo soplé y te vi y ése fue el día en el que empezó la suerte. Me llevo el gusto del vino en la boca. (Por todas las cosas buenas, decíamos, todas la cosas, cada vez mejores, que nos van a pasar.)
No me llevo ni una sola gota de veneno. Me llevo los besos cuando te ibas (no estaba nunca dormida, nunca). Y un asombro por todo esto que ninguna carta, ninguna explicación, pueden decir a nadie lo que ha sido.

— Eduardo Galeano, en Vagamundo y otros relatos