segunda-feira, 27 de junho de 2011

Seu Sorriso Derretia Satélites

Desta janela encoberta de neblina
Avisto seus brilhos solares atravessando a rua
Escondendo das lentes ofuscantes do sucesso
Seus passos decididos partiam em rotas inexistentes

Por um segundo, senti o bater ritmado do seu coração parar.
Como se o mundo parasse, se o ar faltasse.
Instantaneamente o universo retrocedeu duas décadas de evolução
Depois acelerou tão ferozmente que estrelas colidiram
Escuridão silenciosa fez em seu breve penar

Deste labirinto tortuoso que descrevo meus dias de exílio.
Observo, assustado, o correr natural de seus dias simples.
Como a um terremoto seus passos chocam com astros distraídos.
Destruindo o pouco de paz existente nos cosmos
Volte!

Por um breve instante, minha vida misturou-se com a sua.
Meus tristes relatos, observados com minhas vistas cansadas de esperar
a paz roubada, no instante que colidiu sua rota em meus dias cinzas
Os deuses festejaram a descoberta de uma constelação.

Deste quadro abstrato que minhas retinas incansavelmente entorpecem
Procuro vestígios palpáveis para reencontrar seus braços
Eu, vagando entre o real e o imaginário, suspiro a cada sonho.
Contrabandeando sorrisos puros a cristalizar nostalgicamente a vida

Desta caverna sombria a qual observo tudo contra a luz
Vejo-te flutuar pelo salão principal, deslumbrante e bela.
Ignorando as luzes ofuscantes, vejo apenas seus olhos brilhando,
no escuro opaco, reluzente luas prateadas em noites de euforia
Seu sorriso derretia satélites e corações gelados.

- Caio Fernando Abreu

domingo, 26 de junho de 2011

viver vale a pena


É uma das pessoas mais bonitas que vi nestes últimos dias.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Memória

Acordou preguiçosa, rolou na cama como se tentasse apagar o sono e levantou séria, despenteada. Debaixo do chuveiro, espantou um diário zumbi do corpo. Ligou a cafeteira e ia separar a roupa do serviço quando se deparou com o calendário. 25 de agosto. Tem dia que dói ao ser olhado. Este era vermelho, diferente dos outros, pretos e quase todos riscados – fim de mês. Era diferente, este dia. Fazia exato um ano que seu pai morrera, num lugar bem distante dali.
Inevitável lembrar da infância, dos olhos verdes, dos cabelos antes louros e ultimamente brancos, do jeito, momentos, tanta coisa. Lembrou também de tudo o que acontecera desde então e até a fizera se mudar para seguir adiante. Ainda novo, o lugar. Aí lembrou do relógio que, sobre o calendário, não parava. Lembrou que esqueceu do café. Estava atrasada. Mais um atraso seria intragável como o gosto do café perdido. Mas nenhum amargo lhe parecia tão forte quanto o amargo da falta. Correu.
Na rua o movimento era diferente, notou logo que saiu de casa. Todos pareciam mais alegres, descompromissados. Achou que fosse porque ela estava triste e cheia de afazeres, então a visão contrastava. Andou dois quarteirões para esperar pelo ônibus que deixava no centro da cidade e a estátua do primeiro presidente hoje não estava pichada. Logo depois de cruzar a roleta, lembrou que esquecera o crachá – outra vez. Simpatizou com o cobrador, que também não estava lá muito feliz. Sentou perto dele para se sentir mais em casa na sua melancolia. Meia hora depois, teve de saltar antes do ponto ideal porque a principal avenida da cidade estava fechada. Provavelmente algum acidente sério. Evitou de tomar a avenida mesmo a pé. Contornou-a a passos apressados e chegou ao edifício comercial cheirando a suor e ausência, quarenta minutos atrasada – tempo que gastara revirando a estante da memória. Engoliu o choro com uma bala dessas que vendem no ônibus e, quando ia entrando no edifício, tomou uma porrada não sabe de onde. Hoje não, pensou. Com o coração aos pulos, ela segurou suas coisas com força e deu alguns passos para trás, indefesa. Passaram-se segundos e nada aconteceu, foi quando teve coragem de olhar a sua volta e viu que não tinha ninguém. Nem do outro lado da rua. Tudo deserto. Só um som ritmado vindo da Avenida, não sabia o motivo da algazarra. Agora atenta, retomado o fôlego, ia ingressar no seu local de trabalho já assumindo a tristeza da falta. Foi quando viu seu reflexo se aproximar enquanto chegava perto da porta de vidro que bloqueava a entrada para o prédio. Havia dado com a cara na porta, compreendeu – que tola. Ainda bem que ninguém viu, pensou. Ao lado da porta, um papel colado informando “Em comemoração à independência, dia 25 de agosto não funcionaremos.”
Podia entender um pouco agora. Etnocentrista, achou que a causa da vermelhidão nas letras do calendário, que ganhara numa farmácia, era o primeiro aniversário da morte de seu pai. Saiu da rua deserta e caminhou até a avenida para ver o que se passava. O dia, motivo de orgulho na memória daquele pequeno país, era de festejar. Alguns usavam a data como pretexto para a farra, outros afirmavam discursos de integração nacional. Todos num só sentimento e ela voltou a se sentir estrangeira. Sem conseguir se integrar nem querer estragar a festa de ninguém, voltou para pegar o ônibus e mais um cobrador era triste, dependente. Em função das voltas que precisou dar e dos carros parados de qualquer jeito na rua, o ônibus demorou muito além do habitual e ela conseguiu chegar em casa quando o sol já queria começar a se por.
Adentrou seu lar e sentiu o odor de ausência. Ela com o cheiro da festa da rua. Precisou de outro banho e deve ter se molhado mais com lágrimas que com água corrente. Ligou no telejornal e reafirmou o que descobrira: dia da independência, integração nacional. Para ela, dia de saudade, de nó na garganta, dependente de uma memória que não poderia deixar para trás. Comeu algo a duras penas e, quando o dia escureceu, apagou todas as luzes.
Foi até mesinha ao lado da cama e acendeu uma vela que iluminou de prima a fotografia meio batida de um senhor de olhos verdes e cabelo branco, quase amarelo. A luz difusa da vela deixava apenas vestígios do azul latejante de sua colorida blusa. Suspirou ao congelado riso dele. Enquanto os fogos queimavam lá fora, ela, castrada da nação, só queria dormir em paz. Amanhã, com o país esquecendo o motivo da festa, que existirá apenas em vestígios nos jornais, na memória, ela voltará a pertencê-los.

Matheus

sábado, 18 de junho de 2011

Rakushisha

Para andar, basta colocar um pé depois do outro. Um pé depois do outro. Não é complicado. Não é difícil. Dá para ter em mente pequenas metas: primeiro só a esquina. Aquele sinal com faixa de pedestres e o homem esperando para atravessar com um guarda-chuva transparente e um cachorro de capa amarela.
O cachorro parece um labrador e olha para mim quando me aproximo.
Tem uma cara afável. Somos ocidentais nós dois, amigo. Se bem que você talvez tenha nascido aqui, não é? Nasceu? No canil de um criador? Claro, onde mais, você me responde, com a paciência dos labradores.
Eu não nasci aqui. Não sei se você está muito interessado em saber. Sou do outro lado do planeta. Pode-se dizer que vim escondido dentro da bagagem de outra pessoa. É como se eu tivesse entrado clandestina, apesar do visto no meu passaporte. De fininho, para que não me vissem, para que não vissem as coisas invisíveis que eu trazia na mala. Que ninguém me veja ainda, que ninguém suspeite. Nesse sentido sou bem mais ocidental do que você, amigo de capa amarela. Não pertenço a este lugar.
E por que exatamente estou aqui, então, você poderia me perguntar se tivéssemos mais tempo para trocar olhares, se a sua coleira e o seu dono já não fossem te puxando para as suas obrigações - sejam elas quais forem, acompanhar, guiar, divertir.
Não sei muito bem, para ser honesta. Estive reaprendendo a andar. Estou reaprendendo a andar. Depois da tempestade, da era glacial, da grande seca, a gente pode usar a imagem que quiser, ninguém vai se importar muito, afinal, quem somos nós se não menos do que anônimos aqui. Abriu-se esta porta. Agora não dá tempo de te contar como aconteceu. E ainda não sei se andar equivale a lembrar, se equivale a esquecer, e qual das duas coisas é o meu remédio, se nenhuma delas, se nenhuma opção existe e se andar é o mal e o remédio, o veneno que tece a morte e a droga que traz a cura. Se vim para lembrar - se vim para esquecer. Se vim para morrer ou para me vacinar. Talvez eu descubra. Talvez nunca seja possível descobrir, desvelar, levantar o toldo, remover qualquer traço de ilusão de caminhar.
Seja como for. É só colocar um pé depois do outro.

Adriana Lisboa, em Rakushisha
Tá na minha lista de coisas a ler

quinta-feira, 16 de junho de 2011

ruim

To numa vibe de relembrar amores mal acabados. Não que exista no meu mundo algum amor assim, bem acabado como uma pintura que a gente emoldura e pendura com algum orgulho na parede do corredor por onde passa diariamente e dá bom dia com ânimo. Não que no meu mundo se dê bom dia com algum ânimo. Pelo menos não nos dias destas recordações. A gente se revira sem força no cobertor, distorce o passado e pensa que podia tudo ter ficado bonito e promissor como o início do quadro. Mas a tinta borrada que surge é a parte que mais aparece, até transcende como uma ferida, e dói.
Claro, nem sempre é o borrão que acaba com o quadro. Às vezes a gente começa a pintar torto, de perto não percebe, só quando vê que não tem mais como acertar tanto erro. E aí ou assume o quadro assim ou deixa ele pra recomeçar. Às vezes fica até bom, o erro.
Tem tb os quadros que perdem a graça no meio da pintura e ficam assim inacabados, completados pelo branco de vazio e de paz.
Não falei ainda dos que a gente largou mas quer retomar pra, dessa vez, caprichar nos tons. Só que essas coisas não costumam se pintar a apenas duas mãos. São ao menos quatro e, por trás das mãos tem seus autores, depois o que eles querem e o que podem, e o que pensam, suas vivências e como percebem aquilo tudo. Queremos saber se tem parceria na composição de uma obra até ficar subjetivamente legal. Mas a gente nunca sabe.

É capaz que a qualquer hora ele termine.


"As coisas que não conseguem ser
olvidadas continuam acontecendo.
Sentimo-las como da primeira vez,
sentimo-las fora do tempo,
nesse mundo do sempre onde as
datas não datam. Só no mundo do nunca
existem lápides... Que importa se –
depois de tudo – tenha "ela" partido,
casado, mudado, sumido, esquecido,
enganado, ou que quer que te haja
feito, em suma? Tiveste uma parte da
sua vida que foi só tua e, esta, ela
jamais a poderá passar de ti para ninguém.
Há bens inalienáveis, há certos momentos que,
ao contrário do que pensas,
fazem parte da tua vida presente
e não do teu passado. E abrem-se no teu
sorriso mesmo quando, deslembrado deles,
estiveres sorrindo a outras coisas.
Ah, nem queiras saber o quanto
deves à ingrata criatura...
A thing of beauty is a joy for ever
disse, há cento e muitos anos, um poeta
inglês que não conseguiu morrer."

Mário Quintana

sábado, 11 de junho de 2011

Intro

Do jeito dele de chegar olhando bonito pros outros. Nem de baixo nem de cima, mas pelo mesmo nível, mostrando que não se considera melhor que ninguém. Um olhar consciente, interessado e interessante. Sabido de que nem tudo que ver vá ter uma explicação ou lógica. E despreocupado de buscar realidade em tudo. Finalmente, um olhar sem localização exata, porque às vezes enxergava por outros meios o que não era visível aos olhos. E um olhar verdadeiro, um mergulho em sabores de estrada, de amigos, de noites quentes, de corações partidos. Um olhar interminável, motivo pelo qual não consigo terminar esta descrição. Um olhar injustiçado pelas palavras que uso para descrevê-lo, posto que não poderiam nunca ser repetidas no mesmo texto, uma vez que também o seu olhar jamais se repete.